Ao ver essa foto e seus escritos, os Avós apertam seus olhos, porque a vista já ficou cansada... mas isso não os impede de apertarem seus netos, porque os avós não se cansam de amar.
Os avós são doces, ou deveriam ser, e, ofertam doces para os netinhos, para o desespero dos seus filhos. Esses mesmos filhos, agora pais, que esqueceram que quando crianças e, aproveitando o auge de serem netos, amavam burlar as regras dos pais, indo para casa dos avós, sendo paparicados e, podendo escolher as guloseimas a comer.
Quando eu construi essa fotografia acima, cada palavra aconchegada em cada ruga, traz na passagem do tempo, a memória de pessoas adultas que indaguei sobre as palavras que vinham em suas mentes ao me ouvir falar: Avós.
Teve uma pessoa que me perguntou:
- A voz?
Eu respondi:
-Quase... mas não, quero dizer mesmo “Avós”.
Adorei o trocadilho e refleti sobre ele: Avós e A voz. A voz dos Avós... Ancestralidade e a nossa voz.
Sim Avós e bisavós pertencem aos tempos dos antecedentes.
Costumamos, biologicamente sentir que a descendência da humanidade, que faz a espécie sobreviver. É um pensamento bem pragmático e tem sim a sua parcela de verdade.
Mas quando se pensa em ascendência, em antecedência, em antepassados, em ancestralidade, pensa-se no tempo do antes, na historicidade, na origem, no início, nas raízes, na voz primordial.
Uma planta sem enraizar não dá frutos. Nesse sentido, as raízes, as origens, os antepassados, os bisavós, os avós precisam ser reconhecidos em seus cólos, suportes de uma família, raízes de uma cultura, vozes originais da humanidade.
A questão, como tudo na vida, ganha a complexidade e a dificuldade de seguir numa trajetória mais natural, porque os humanos, em parte, perderam a sua natureza quando do processo civilizatório. As hierarquias foram construídas em jogos de poder desvirtuados, refletindo em muitas culturas, principalmente a ocidental, a desvalorização da terceira idade.
Sorte é, que paralelamente a esses jogos de poder, pessoas bem intencionadas seguem pela tangente, e as vezes, pelo anonimato, criando saúde e conscientização, de que verdades absolutas não existem, que há pelo menos em cada fato, três possibilidades de enxerga-lo.
Então, enquanto em algumas culturas a velhice é vista como inutilIdade, ou última idade, em outras é aprendida com terceiras e quartas idades, repletas de sabedoria, detentoras de conhecimentos arquetípicos e de virtudes que só o tempo dá.
É nesse caminho que um novo termo é inventado, a VOTERNIDADE.
Na minha fotografia acima, de uma avó com sua netinha, batizei a imagem de A Vó Tern Idade – Avó, a terna idade...
Ternura é uma das virtudes que alguns nascem com mais propensão, guardam do mundo competitivo e relembram mais tarde, quando o tempo os amadurecem.
Mas entre a ternura, a doçura, a sabedoria e as raízes dos avós e bisavós, o mundo (mal) civilizado, desvirtua até o papel da melhor idade.
Filhos, que acabam de se tornarem pais, vivendo o conflito das gerações, controlam a transformação de seus pais em avós. Controlam quando essas suas próprias raízes podem interagir com os netos, e o pior, como devem interagir.
Mas se tudo tem dois lados, os vilões não são apenas os pais-recém-nascidos. Os avós também recém-nascidos (mal) civilizados são igualmente vilões.
A competição se instala junto com a falta de reconhecimento, a mistura de papéis grita nas brigas ou silencia nas mágoas. Avós não sendo pais de seus filhos e querendo ser pais dos seus netos (e aqui não estou incluindo aqueles avós que efetivamente se tornam pais, porque os pais de seus netos estão ausentes, por morte ou outros motivos); pais que não conseguem ser os filhos desses avós; e, crianças que se perdem e perdem a força de toda a sua família.
Por que isso acontece?
Primeiro, o mal-estar da civilização, que inventa novos processos e regras de desenvolvimento e sociabilização. Esse é um motivo demorado de ser transformado, porque não depende diretamente e imediatamente da conduta de uma pessoa, mas de um povo.
Segundo: reféns dessa cultura modificada e narcisista, as pessoas estão sempre correndo atrás do prejuízo. O tempo cada vez mais acelerado, concomitantemente, traz novos e bons conhecimentos e rejeita velhos e bom saberes. Como que se não pudessem somar o que há de bom no tradicional e no moderno, no antigo e no novo, como se não pudesse parar, perder tempo e conversar.
Terceiro, e o que para mim, psicóloga, estou mais ainda atenta: Quando, independente do motivo, as pessoas não vivem suas fases de desenvolvimento no tempo coerente, vazios, buracos são deixados, e esses, atraem remendos muitas vezes, mal costurados. O que quero dizer é que se no tempo de ser criança, aquela criatura, teve que amadurecer, ela tenderá a ser um adulto em busca de retalhos.
Para quem costura patchwork, aquela técnica de costurar retalhos, sabe que não basta pegar pedaços de panos e alinhavar. Para ter harmonia é preciso ter planejamento de qual colcha quer tecer. Combinar texturas, tecidos, cores, imagens. Tomar consciência da peça que quer produzir.
Traduzindo: Quando um avô não executou seu papel de pai, dentro do coração dele, ficou uns vazios, que se ele tentar remendar, de qualquer jeito, a qualquer custa, ele irá invadir o espaço e o tempo do seu filho ou genro, que é o pai da vez.
Assim como, a adulta que se tornou mãe, mas não teve, quando criança, a sua mãe funcionando plenamente, tenderá a competir pelo lugar de filha e mãe, ao mesmo tempo, e, tanto com a sua cria quanto com a sua mãe.
O que defendo, é que na linha do tempo do desenvolvimento humano, é de se esperar a seguinte trajetória:
bebês=são filhos e são netos
crianças=são filhos e são netos
adolescentes=são filhos e são netos
adultos=são filhos e são netos
adultos-pais=são filhos, netos e pais dos seus filhos
adultos-avós=são filhos, pais dos filhos e avós dos netos
Quando isso não funciona, podemos ter adolescentes-filhos que se tornam pais de seus avós. Ou avós que querem ser pais de seus netos. E essa é a confusão da Voternidade.
Se a vida fosse só racional e matemática, e fosse linguísticamente descrita em manuais de sobrevivência, bastava ler, fazer uns cálculos, e executar fielmente o que já foi descrito. Mas a vida não é como cozinhar um bolo, não basta seguir receitas, cada um é cada um. E cada tempo tem suas características. É preciso somar o tradicional e arquetípico com o inovador. Nem descartar o velho e nem criticar o novo. É preciso diálogo entre os tempos, entres as pessoas e consigo mesmo, uma autoanálise constante.
Quero finalizar com a reflexão:
O que lhe faltou em cada fase da sua vida?
Não remende de qualquer jeito, você correrá o risco de não ter harmonia, de magoar e ser magoado.
Fernanda Matos
Texto construído para Workshop de Avós – 17/03/2021
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